Publicado em 8 de agosto de 2025 às 11h56.
A meta de universalizar o acesso ao saneamento básico no Brasil até 2033, prevista no marco legal do setor, só será alcançada se houver uma atuação mais efetiva dos estados e uma reestruturação dos arranjos regionais de prestação do serviço.
A avaliação é do advogado Fernando Vernalha, sócio fundador do escritório Vernalha Pereira Advogados, que há mais de duas décadas atua na estruturação jurídica de projetos de infraestrutura, com forte presença no setor de saneamento.
Segundo ele, nas regiões onde já há concessões firmadas com a iniciativa privada ou parcerias público-privadas (PPPs) a meta de garantir que 99% da população tenha acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto em oito anos está bem encaminhada.
"Os contratos regionais de concessão já incorporam as metas legais e, em alguns casos, têm metas até mais exigentes do que as legais, com mecanismos contratuais que obrigam o concessionário a cumpri-las", disse Vernalha no EXAME INFRA.
A mesma lógica se aplica aos contratos de PPP firmados por empresas estaduais que continuam operando o serviço em alguns estados. "Esses contratos também refletem as metas de universalização previstas em lei. Portanto, nesses casos, a meta de 2033 está relativamente bem endereçada".
O grande problema, no entanto, segundo o especialista, está nas regiões e municípios que ficaram fora das concessões e das PPPs estruturadas até agora.
Muitos desses municípios seguem sendo operados por empresas estaduais, mas sem contratos de longo prazo ou com vínculos precários. Há ainda municípios que lançaram concessões locais isoladas, com pouca ou nenhuma articulação regional.
"Quando um município economicamente forte faz uma concessão local com cobrança de outorga, os recursos dessa outorga acabam indo para o caixa do município em vez de serem reinvestidos em saneamento. Isso compromete a lógica da regionalização", afirmou Vernalha.
Para o advogado, a solução passa pela efetivação da regionalização prevista no marco legal. Embora quase todos os estados já tenham criado microrregiões para o saneamento, essas estruturas, em muitos casos, existem apenas no papel.
"Não adianta criar a microrregião se ela não assume a prestação do serviço e cria as condições para haver uma nova delegação. Porque o grande problema é o seguinte: os contratos que existem, que são contratos locais, cada um tem o seu prazo de encerramento", disse.
"Então não conseguimos virar a chave para montar uma prestação regional se nós não uniformizarmos o prazo de encerramento desses contratos. E nós só conseguimos fazer isso se unificarmos a autoridade responsável, quer dizer, o exercício da titularidade, feito pela microrregião".
Sem isso, complementa Vernalha, não há como organizar uma prestação regional autossustentável, especialmente em municípios menores, sem viabilidade econômica isolada. "Deveria haver uma discussão legislativa, com os estados, como em São Paulo, em que as cidades que ficaram de fora do contrato da Sabesp, o Estado está criando blocos".
Vernalha reconhece os avanços trazidos pelo novo marco do saneamento, como o aumento expressivo da participação privada, que passou de 6% para 30% do setor, com expectativa de atingir 50% até 2026, segundo dados da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon).
Embora ele veja com ceticismo o cumprimento integral da meta de universalização até 2033, o advogado também defende que o país está no "caminho certo".
"Acredito que alguma extensão de prazo vamos precisar. A própria lei [do marco do saneamento] tem a previsão de uma extensão até 2040, dependendo do caso, com estudos econômicos, mesmo considerando a regionalização, apontando que não é viável atingir as metas até 2033", afirmou.
Outro gargalo apontado pelo advogado está na estruturação de novos projetos de concessão e PPP, especialmente em estados e municípios que não têm capacidade técnica própria.
Hoje, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal funcionam como os principais estruturadores institucionais do país, com projetos considerados de alta qualidade, mas a demanda crescente dificulta a atuação dessas instituições em larga escala.
"Não dá para o BNDES e a Caixa atenderem sozinhos a todos os municípios. A descentralização da estruturação é inevitável, mas isso exige capacitação", disse Vernalha.
Para enfrentar esse desafio, ele propôs ao governo federal a criação de um programa nacional de qualidade para concessões subnacionais, com manuais de boas práticas, modelos referenciais e um selo de qualidade para municípios.
"Esse selo seria uma sinalização ao mercado de que aquele município tem condições de conduzir uma concessão ou PPP com segurança jurídica e técnica".
A ideia, segundo ele, é que as cidades interessadas sigam regras claras, baseadas em boas práticas definidas pelo governo federal. "Hoje, simplesmente criar um escritório de PPP dentro da prefeitura não garante um projeto bem estruturado. É preciso mais do que isso".
Para Vernalha, o avanço do saneamento e de outras áreas da infraestrutura depende não apenas de vontade política, mas de articulação institucional e capacidade técnica, e nisso os estados e o governo federal têm papel decisivo.
O EXAME INFRA é um podcast da EXAME em parceria com a empresa Suporte, especializada em soluções para obras e projetos de infraestrutura. Com episódios quinzenais disponíveis no YouTube da EXAME, o programa se debruçará sobre os principais desafios do setor de infraestrutura no Brasil.
Ep. 1 - EXAME INFRA: SP planeja concessões de rodovias, CPTM e mais com R$ 30 bi em investimentos
Ep. 4 - '26 anos em 5': rodovias no Brasil terão R$ 150 bi em investimentos até 2030, diz presidente da ABCR
Ep. 5 - Com R$ 22 bi ao ano, Brasil ainda investe menos da metade para atingir meta de saneamento
EP. 6 - Privatização da Sabesp triplica velocidade da empresa, que contrata R$ 15 bi em 90 dias, diz diretor
EP. 7 - Investimento no Porto de Santos chega a R$ 22 bi e promete modernização e integração com a cidade
EP. 8 - Rumo investe R$ 6,5 bi para conectar terminal de grãos ao 'coração' da soja no MT
Ep. 9 - Concessionárias investirão R$ 40 bi de rodovias a hidrovias até 2029, diz CEO da MoveInfra
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