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Câmara aprova projeto contra adultização de crianças nas redes; entenda como as regras vão funcionar

Texto, que uniu parlamentares governistas e da oposição após a costura de um acordo, agora vai retornar ao Senado

Publicado em 21 de agosto de 2025 às 06h36.

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Menos de duas semanas após a repercussão do vídeo do influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, sobre exposição e exploração de menores nas redes sociais, a Câmara dos Deputados aprovou ontem um projeto de lei que fixa novas regras para ampliar a proteção de crianças e adolescentes nas plataformas digitais. O texto, que uniu parlamentares do PT ao PL após a costura de um acordo, agora vai retornar ao Senado.

De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-ES), o projeto, que ficou informalmente conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) digital, estabelece que as plataformas digitais devem facilitar aos responsáveis o acesso a informações sobre o que os filhos fazem on-line, prevenindo a exposição a crimes como pedofilia. A Câmara deu aval a um substitutivo da proposta que já havia sido aprovada no Senado costurado pelo relator, o deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI).

O texto prevê que as redes sociais devem adotar uma espécie de “dever de cuidado” em relação a menores de idade, impondo uma série de medidas de proteção e responsabilizando as empresas que não cumprirem essas obrigações. Ainda segundo o texto do projeto, os pais devem ter acesso a mecanismos de controle, para que possam impedir a visibilidade de determinados conteúdos, além de limitar a comunicação direta entre adultos e menores e restringir o tempo de uso. Para isso, o projeto permite a criação de contas por crianças desde que estejam vinculadas a contas ou perfis dos responsáveis legais.

Com previsão para passar a valer um ano após a publicação da lei, a proposta pontua também, entre outros tópicos, que as redes sociais e outros provedores de conteúdo digital devem criar mecanismos para verificar a idade dos usuários e sistemas de notificação de abuso sexual, além de oferecer configurações mais protetivas quanto à privacidade e à proteção de dados pessoais. O texto estabelece ainda que os provedores precisarão ter mecanismos para impedir o uso de serviços por menores, caso não tenham sido desenvolvidos especificamente para esse público. E devem tomar providências para prevenir e mitigar crimes como bullying e exploração sexual. São vetados padrões de uso que possam incentivar vícios e transtornos.

O debate sobre o projeto foi acelerado após a repercussão do vídeo de Felca, que levantou discussões sobre a exposição precoce de crianças e adolescentes nas redes sociais. Com a repercussão, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), passou a defender publicamente a aprovação do texto. Anteontem, a Casa aprovou sua urgência, o que levou o projeto a ser analisado diretamente no plenário no dia seguinte.

Ajuste para acordo

A oposição inicialmente se manifestou contra o projeto, que recebeu o aval do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e avaliava que a iniciativa promovia uma espécie de censura. Apesar disso, deputados do PL participaram de um acordo para que o texto fosse alterado e a proposta ganhou o apoio também de deputados contrários ao Planalto.

A alteração que possibilitou o apoio da oposição diz respeito ao funcionamento de um agência nacional que seria responsável por regulamentar as redes sociais. O relatório do projeto foi alterado para deixar claro que a agência não terá influência do Poder Executivo. Apesar do acordo, o partido Novo continuou se manifestando contrário à matéria.

"Haverá critério para que se possa aplicar qualquer punição, e a agência nacional não será uma autoridade escolhida simplesmente pelo Executivo, mas será uma agência criada por lei", disse a deputada Bia Kicis (PL-DF), que participou do acordo.

A negociação envolvendo diferentes setores da Câmara foi elogiada por Hugo Motta:

"Eu penso que há uma construção do diálogo nesta Casa, para darmos uma grande demonstração de que esta não é uma pauta da esquerda, não é uma pauta da direita, mas é uma pauta do Brasil. A proteção das nossas crianças e dos nossos adolescentes em ambiente digital é muito importante".

Da base do governo, a deputada Erika Kokay (PT-DF) foi outra a elogiar o texto.

"Existem legislações em vários países do mundo, para que nós possamos dizer que os direitos das nossas crianças, dos nossos adolescentes, eles não podem ser vergados, eles não podem estar diminuídos frente aos interesses das grandes empresas, das big techs".

O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), elogiou o relator pelo acordo e citou os deputados do PL que participaram do entendimento.

"Nos últimos dias, nós tivemos a grande discussão sobre adultização, erotização de crianças e adolescentes. Quero aqui registrar, em nome da minha bancada, o brilhante trabalho da deputada Bia Kicis, do deputado Nikolas (Ferreira) e do deputado Domingos Sávio, que, delegado por nós, fez tratativas junto ao relator, o deputado Jadyel, que foi muito complacente. Quero aqui, deputado Jadyel, registrar os parabéns pelo seu bom senso, pelo seu equilíbrio, pela sua retidão".

Apoio na sociedade civil

O texto recebeu também o apoio de uma série de organizações da sociedade civil, como o Instituto Alana, e figuras com atuação na proteção da infância no Brasil, como a juíza Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância e Juventude do Rio, que atuaram para rebater o discurso de que o PL traz impactos para a liberdade de expressão e representa “censura”, discurso inicialmente mobilizado por bolsonaristas.

— O texto só trata do ambiente digital para crianças e adolescentes e precisa estar acima de qualquer divisão partidária e política de polarização — defendeu Vanessa Cavalieri em entrevista ao GLOBO na semana passada. — Esse interesse, de não ter crianças vítimas de violência sexual, cooptadas por criminosos ou exploradas por adultos, é de toda a sociedade. É da direita, da esquerda e do centro.

Além do projeto analisado ontem, a Câmara contará com uma comissão especial, já anunciada por Motta após acordo com os líderes de bancada, para avaliar uma série de propostas sobre a “adultização” de crianças —termo usado para a exposição de menores a comportamentos, práticas e responsabilidades que deveriam ser de adultos — apresentadas após o relato de Felca viralizar. Qualquer projeto de lei sobre o assunto, contudo, só será pautado após a comissão apresentar um parecer, o que ainda pode levar quase um mês.

Entenda a PL contra a adultização de crianças nas redes sociais

Uma das novidades do projeto aprovado na Câmara é a previsão de uma autoridade nacional autônima, entidade da administração pública que será responsável por zelar, editar regulamentos e procedimentos e fiscalizar cumprimento da nova legislação. A entidade deverá ser criada por norma própria e funcionará nos moldes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Com 16 capítulos e 41 artigos, o texto obriga as plataformas digitais a tomarem medidas "razoáveis" para prevenir riscos de crianças e adolescentes acessarem conteúdos ilegais ou considerados impróprios para essas faixas etárias, como exploração e abuso sexual, violência física, intimidação, assédio, promoção e comercialização de jogos de azar, práticas publicitárias predatórias e enganosas, entre outros crimes.

Além disso, a proposta prevê regras para supervisão dos pais e responsáveis e exige mecanismos mais confiáveis para verificação da idade dos usuários de redes sociais, o que atualmente é feito basicamente por autodeclaração.

A matéria ainda disciplina o uso de publicidade; a coleta e o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes e estabelece regras para jogos eletrônicos, veda à exposição a jogos de azar. Em caso de descumprimento das obrigações previstas na lei, os infratores ficam sujeitos a penalidades que variam de advertência, multas que podem chegar a R$ 50 milhões, suspensão temporária de atividades e até a proibição definitiva das atividades no país.

"Não tenho dúvida que nossas crianças e adolescentes irão reconhecer o trabalho do Parlamento brasileiro em buscar um ambiente seguro nas redes sociais, no ambiente digital", celebrou o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), que pautou e comandou a sessão de votação da proposta.

Inicialmente combatido por grande parte da oposição no Congresso, o PL 2628 acabou ganhando adesões nesse campo após o relator acolher modificações na proposta, como a criação de uma agência reguladora autônoma - a ser instituída por lei própria - e a restrição sobre quem pode pedir remoção de conteúdo criminoso. Por isso, o PL, principal partido da oposição, retirou os destaques ao projeto para que a medida avançasse sem percalços no plenário.

"Hoje, as crianças do Brasil ganham. Do texto, foram retiradas todas as censuras que poderiam ter. A Câmara dos Deputados sempre vai lutar para que as crianças não sejam sensualizadas", afirmou o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do seu partido e um dos expoentes oposicionistas no Congresso.

"Nós mostramos hoje que, quando queremos, as nossas divergências ficam de lado e prevalecem o interesse e o bem comum. E o bem comum neste caso é a proteção dos direitos das crianças e adolescentes. Estamos protegendo uma geração inteira", destacou o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ).

Remoção imediata

Ponto central da proposta, a possibilidade de remoção imediata de conteúdos criminosos por parte das plataformas deve se dar a partir de um processo específico de notificação.

No artigo 29, que trata dessa questão, os fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados ou de acesso provável por crianças e adolescentes deverão proceder a retirada de conteúdo que viola direitos de crianças e adolescentes assim que forem comunicados do caráter ofensivo da publicação pela vítima, por seus representantes, pelo Ministério Público ou por entidades representativas de defesa dos direitos de crianças e adolescentes, independentemente de ordem judicial.

Na avaliação de especialistas, o projeto de lei adapta direitos que já estão previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas que não costumam ser aplicados nas redes sociais.

"O PL 2628 protege a liberdade de expressão e de imprensa, porque tem um rol muito restritivo de conteúdos que podem ser imediatamente removidos. São conteúdos de exploração sexual, pornografia, assédio, de incentivo a automutilação e golpes contra crianças e adolescentes. Opiniões, críticas e reportagens são mantidas, não se aplicam no PL", argumentou a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP).

Para a parlamentar, o projeto é resposta histórica contra o estímulo à violência e à lucratividade indevida sobre a exposição de crianças no ambiente digital.

(Com informações de O GLOBO e Agência Brasil)

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