(Leandro Fonseca /Exame)
Redatora
Publicado em 6 de setembro de 2025 às 06h03.
Última atualização em 8 de setembro de 2025 às 13h59.
A década dos anos 2020 foi marcada, até aqui, pelo aumento acelerado dos preços dos alimentos no mundo. O índice de preços da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostra que, de 2021 a 2025, a média do índice ficou em 122 pontos (a FAO usa os dados de 2014 a 2016 como índice 100).
Esse patamar é superior ao visto no passado, como nos anos 70, quando houve choques estruturais de oferta, como os do petróleo, e cuja média foi de 110 pontos. Ao mesmo, disparou na comparação com anos 90, quando o dado era de 77 pontos, em média na década.
Os dados, compilados pelo demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, mostram que essa pressão nos preços, associada a uma combinação de crescimento populacional, mudanças climáticas, conflitos armados e redução da ajuda internacional, podem ampliar o número de pessoas que passam fome no planeta.
Em abril, EXAME mergulhou nos dados sobre preços de alimentos, uma crise que pressiona governos mundo afora. Em muitos países, a comida subiu acima dos índices de inflação médios das economias -- num fenômeno que
"A média decenal do preço real dos alimentos foi de 86,4 pontos na primeira década dos anos 2000 e subiu ainda mais para 102,9 pontos na segunda década do atual século. Até 2020, o recorde inconteste do preço dos alimentos permanecia na década de 1970", escreveu o demógrafo em artigo.
A disponibilidade de recursos naturais é limitada. Terras aráveis enfrentam degradação, desertificação e competição com urbanização e indústria. A escassez de água e o uso intensivo de fertilizantes, pesticidas e energia também impactam a produção, elevando custos.
"Ainda estamos na metade da terceira década dos anos 2000, mas a tendência é de permanência de preços elevados dos alimentos, em função do aumento da demanda, da crise climática e dos conflitos e guerras",
Os preços dos alimentos oscilaram ao longo do tempo. A média de dez anos da década de 1960 foi de 104,7 pontos, caiu nos anos seguintes e voltou a subir no século XXI.
A pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia elevaram o índice para 141,4 pontos em 2021, acima de qualquer valor registrado nos últimos 100 anos.Houve um recuo em relação a esse ponto crítico nos últimos anos, mas o índice de preços seguiu acima do registrado em décadas passadas.
O crescimento populacional global, que passou de 3 bilhões em 1960 para 8 bilhões em 2022, e deve chegar a 9 bilhões em 2037, intensifica a demanda por alimentos. A pressão sobre recursos naturais e mudanças climáticas reforçam a tendência de preços elevados e maior insegurança alimentar.
Mudanças climáticas e eventos extremos, como secas e enchentes, afetam a produtividade agrícola. Estudos recentes da Universidade de Stanford indicam perdas de até 13% nas safras globais de trigo, milho e cevada devido ao aquecimento e alterações climáticas.
Além disso, a acidificação dos oceanos e o declínio de ecossistemas marinhos reduzem a produtividade da pesca, pressionando ainda mais a oferta de alimentos.
A combinação desses fatores aumenta o preço dos produtos e agrava a insegurança alimentar.
O Relatório Global sobre Crises Alimentares, de março deste ano, indica que 295 milhões de pessoas enfrentaram fome aguda em 53 países e territórios em 2024, um aumento de quase 14 milhões em relação a 2023.
A situação deve se agravar em 2025, principalmente em regiões como a Faixa de Gaza e a África Subsaariana.
Cortes significativos na ajuda internacional, como os promovidos pelo governo dos Estados Unidos, França e Reino Unido, aponta o demógrafo, agravam a situação.
A combinação de crise climática, conflitos, atraso na transição demográfica e retração de apoio internacional representa um obstáculo crítico para a meta da Organização das Nações Unidas (ONU) de erradicar a fome até 2030.
O panorama atual indica que a meta de “Fome Zero” se torna cada vez mais difícil de alcançar, especialmente em países de baixa renda, exigindo medidas urgentes para conter o aumento dos preços e garantir a segurança alimentar global.
"A combinação entre crise climática, conflitos armados, atraso na transição demográfica e retração da ajuda internacional representa um sério obstáculo à ambiciosa meta da ONU de erradicar a fome até 2030", escreve Alves. "As perspectivas atuais são pouco animadoras, particularmente para os países de baixa renda. Um mundo livre da fome é uma meta cada vez mais difícil de ser alcançada."