Ruy Cunha: As revendas ocupam uma posição intermediária na cadeia, com margens apertadas. Isso impacta diretamente a inadimplência quando ocorre", afirma o CEO (Lavoro/Divulgação)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 19 de junho de 2025 às 06h05.
Nas horas que antecederam o anúncio de recuperação extrajudicial (RE) da Lavoro, revenda de insumos agrícolas, Ruy Cunha, CEO da companhia, afirmou que teve uma boa noite de sono, embora não tenha sido "tranquila".
Fundada em 2017 e controlada pelo Pátria Investimentos, a empresa anunciou nesta quarta-feira, 18, que chegou a um acordo com seus principais credores para resolver uma dívida de R$ 2,5 bilhões, incluindo Basf, FMC Agrícola e UPL Brasil.
Desde 2024, o mercado especulava sobre a real situação da Lavoro. As dúvidas sobre a companhia surgiram na esteira do pedido de recuperação judicial (RJ) da Agrogalaxy, o que deixou o setor de insumos — e, especialmente, o agronegócio — preocupados.
As incertezas giravam em torno de saber se a situação das revendas era um problema localizado ou indicava um prognóstico mais grave para um dos principais setores da economia brasileira. "As revendas ocupam uma posição intermediária na cadeia, com margens apertadas. Isso impacta diretamente a inadimplência quando ocorre", afirma Cunha.
À EXAME, o CEO da Lavoro compartilhou os bastidores dessa decisão, os desafios enfrentados pela companhia para reverter o quadro financeiro e os próximos passos da maior revendedora de insumos do Brasil. Leia a entrevista completa:
O setor de revendas passou por dois anos de muitas dificuldades, segundo alguns analistas. Na sua visão, qual é o real problema?
Primeiro, o setor enfrentou dois anos difíceis. As revendas estão em uma posição intermediária na cadeia, com margens apertadas. Isso impacta diretamente em inadimplências quando elas ocorrem. A dependência de capital de giro e as dificuldades de financiamento também são desafios, agravados pela alta taxa de juros no Brasil, o que afeta qualquer negócio de varejo. Não quero generalizar o problema, mas no nosso caso, o modelo de financiamento com fornecedores sempre funcionou bem, mas desde setembro do ano passado, os fornecedores começaram a mudar seu comportamento rapidamente, exigindo mais garantias e tornando o capital de giro mais caro.
Em relação ao capital de giro, sabemos que a Selic a 15% ao ano é um grande desafio...
A questão do capital de giro é, sem dúvida, um dos maiores desafios para as revendas. Os altos juros dificultam o acesso ao crédito e tornam o financiamento muito mais caro. Para lidar com isso, a Lavoro tem buscado alternativas para melhorar a eficiência do seu fluxo de caixa e otimizar o financiamento, além de trabalhar para reduzir o impacto da inadimplência e melhorar o controle de estoques. No longo prazo, acreditamos que o cenário de juros elevados tende a se estabilizar, mas no curto prazo precisamos ser muito cautelosos e buscar soluções de financiamento mais adequadas à realidade do mercado.
Nesse cenário, como foi o processo de conversa com os credores?
As negociações começaram de forma bastante difícil, pois os fornecedores, devido à crise do setor, estavam muito cautelosos. A resistência inicial foi grande, pois muitos deles estavam exigindo garantias e condições muito mais rígidas do que o normal. Além disso, o cenário de inadimplência e a instabilidade do mercado dificultaram o processo. No entanto, conforme fomos avançando nas negociações e alinhando as expectativas, as conversas começaram a fluir de maneira mais construtiva, até que conseguimos estabelecer um acordo que atendesse a todas as partes.
Mas as negociações começaram em 2024, certo?
As negociações com os fornecedores começaram em outubro e novembro do ano passado. Contratamos a consultoria Álvarez & Marsal para ajudar nas negociações. Inicialmente, não falávamos em RE, mas conforme as negociações avançaram, vimos que o comportamento dos fornecedores mudou drasticamente. A RE acabou sendo uma maneira de formalizar os acordos que fizemos com os principais credores, oferecendo condições mais transparentes e segurança tanto para a Lavoro quanto para os fornecedores.
Sobre a reação do mercado após o anúncio da recuperação extrajudicial, como você percebeu a recepção tanto de credores quanto de investidores?
O mercado já vinha especulando sobre a situação da Lavoro há algum tempo, então o anúncio foi uma forma de trazer clareza para as partes envolvidas. A reação foi positiva, principalmente entre os nossos credores e parceiros. Eles entenderam que estávamos buscando uma solução estruturada e transparente para a continuidade do negócio, o que trouxe mais segurança. Para os investidores, o fato de estarmos tomando medidas proativas e de forma controlada ajudou a reduzir os ruídos de especulação e a melhorar a percepção sobre a empresa.
Nesse processo de negociação, alguma vez foi cogitado entrar com pedido de recuperação judicial?
Nunca consideramos a recuperação judicial (RJ) como uma opção. Claro que, ao longo dos meses, onde você está construindo uma recuperação extrajudicial (RE), a RJ sempre é uma ameaça, se você não chega a um acordo de bom termo com os fornecedores ou credores, o que implica concessões de ambos os lados. Mas, no caso da Lavoro, se você conversar com os credores, todos que participaram das negociações vão ver que foi um caminho construtivo. Nunca foi o caminho da RJ, no sentido de "se você não aceitar tal condição, vamos para a RJ". Nós conduzimos de uma maneira mais planejada e estruturada, sempre com o objetivo de encontrar uma solução que fosse viável para todos.
Em meio a esse processo, chegou a passar pela sua cabeça a ideia de vender a empresa? Alguma proposta foi feita nesse sentido?
Não posso falar pelos acionistas, mas a verdade é que não, não chegou a passar pela minha cabeça vender a empresa. Os acionistas nos apoiam e continuam a apoiar a companhia. Eles entendem que os mercados têm ciclos e que essas dificuldades fazem parte do processo. Nós tivemos muito apoio por parte deles. A nossa preocupação sempre foi achar uma boa solução para a Lavoro, que garantisse a continuidade do negócio e não levaríamos a empresa para uma venda.
Então, não houve nenhuma proposta de venda?
Não, não houve nenhuma proposta concreta de venda da empresa. A preocupação sempre foi com a viabilidade da Lavoro, não com sua venda. Nosso principal acionista, que é um fundo de private equity, entende que o negócio tem potencial e que os desafios fazem parte do ciclo natural dos mercados. Essa questão de venda não foi algo que estivesse em discussão.
Qual é a sua visão sobre o futuro da Lavoro nos próximos meses, considerando especialmente o cenário de juros elevados no Brasil e as dificuldades econômicas?
Estamos otimistas, mas com cautela. O cenário de juros elevados não deve mudar no curto prazo, e isso continua sendo um desafio. No entanto, a safra recente foi melhor para os produtores, o que pode ajudar a recuperar capital e melhorar as margens. A Lavoro está trabalhando para garantir que, independentemente das dificuldades, consiga manter uma base sólida para crescer nos próximos meses. O contexto geopolítico também pode influenciar preços de commodities, o que pode trazer boas oportunidades.