Etanol (Nico De Pasquale Photography/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 26 de junho de 2025 às 05h00.
* Erasmo Carlos Battistella e Adilson Martins
O Brasil é uma referência internacional em transição energética e, nos últimos 50 anos, construiu uma matriz renovável, sendo mais de 30% proveniente de biomassa (como etanol e biodiesel), e 86,1%, de eletricidade renovável. Mas o ano de 2024 foi marcado pela definição de um marco regulatório que vai impulsionar o avanço de um conjunto de rotas tecnológicas.
A aprovação da Lei do Combustível do Futuro (Lei Federal n.º 14.993/2024) estabeleceu incentivos concretos para a substituição de combustíveis fósseis por alternativas renováveis e sustentáveis em diversas áreas de negócios.
A norma estimula e amplia o uso, por exemplo, de biocombustíveis como biometano, etanol e biodiesel – os dois últimos cada vez mais misturados à gasolina e ao diesel, respectivamente – além de estabelecer parâmetros para o uso do combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês).
O setor de biocombustíveis vem apresentando resultados significativos para o Produto Interno Bruto (PIB) nacional, mesmo antes da aprovação da lei.
Conforme a edição mais recente do Anuário Estatístico da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil alcançou recorde histórico em 2023 com a produção de quase 43 bilhões de litros de biocombustíveis, sendo 35,4 bilhões de litros de etanol e mais de 7,5 bilhões de litros de biodiesel.
O crescimento de 15,5% na produção de etanol em 2023 em relação ao ano anterior, alcançando 35,4 bilhões de litros produzidos, e de 12,3% no biometano, também no comparativo com 2022, atingindo a produção de 74,9 milhões de m³, mostram o dinamismo de um setor em expansão, impulsionado por políticas públicas e pela demanda por fontes limpas.
A nova lei cria um ambiente para investimentos e desenvolvimento econômico sustentável no Brasil.
Conforme o relatório “Investimentos e Custos Operacionais e de Manutenção no Setor de Biocombustíveis”, realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, são estimados aportes superiores a R$ 1 trilhão em energia limpa nos próximos 10 anos, alavancando indústrias de diversos segmentos (mais detalhes abaixo) e impactando do agronegócio aos biocombustíveis - sendo cerca de 10% deste recurso financeiro distribuídos assim: R$ 59 bilhões para o etanol de cana-de-açúcar, R$ 14,5 bilhões para o biodiesel e R$ 17,5 bilhões em projetos de SAF.
O fortalecimento da produção de biocombustíveis é resposta estratégica à urgência da diminuição das emissões de carbono, especialmente em setores fortemente dependentes do petróleo, como os transportes nos modais terrestre, marítimo e aéreo.
O aumento dos percentuais obrigatórios de mistura do etanol na gasolina e de biodiesel no diesel fortalece a cadeia produtiva de energia limpa, impulsionando a produção agrícola (especialmente de cana-de-açúcar, soja e milho), a industrialização e os investimentos em infraestrutura de processamento e de distribuição. Isso contribui para gerar empregos, movimentar economias locais, promover inovação tecnológica e reduzir a pegada de carbono.
Com a promoção do etanol, biodiesel e biometano, o agronegócio ganha protagonismo não apenas como produtor e exportador de alimentos, mas também como base estratégica para a matriz energética limpa do país.
Culturas como a cana-de-açúcar, o milho e a soja passam a ter maior relevância econômica, ampliando mercados e agregando valor à produção.
Por isso, nos últimos anos, o agronegócio tem investido em novas tecnologias para maior eficiência produtiva e expansão de áreas cultiváveis voltadas à bioenergia. Com a produção de biocombustíveis, o agronegócio, historicamente essencial para a economia nacional, aumenta sua contribuição estratégica para a agenda climática, de sustentabilidade do planeta e de segurança alimentar.
Outro setor que será impactado de forma significativa é o da indústria. A demanda crescente por soluções ambientalmente responsáveis e os compromissos já estabelecidos de redução de emissão de gases de efeito estufa exigirão mudanças nas cadeias produtivas e logísticas.
Para as empresas brasileiras, essa adaptação representa uma oportunidade de se reposicionar globalmente e de ampliar sua competitividade em mercados cada vez mais exigentes quanto à sustentabilidade. A transformação energética é, portanto, também um projeto de reposicionamento industrial e tecnológico.
O Brasil já provou sua capacidade de liderar o uso de biocombustíveis e agora se encontra em posição privilegiada para conduzir também a próxima fase da revolução energética.
A articulação entre os setores, o diálogo com o poder público e o compromisso com metas sustentáveis são fundamentais para que possamos aproveitar todo o potencial dos biocombustíveis e transformar os desafios ambientais em oportunidades econômicas.
* Erasmo Carlos Battistella - presidente da Be8 e Adilson Martins - sócio-líder de Agronegócio da Deloitte.