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Fim da isenção de IR sobre as LCAs: os efeitos colaterais para o agro, segundo analistas

Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) mostram que 35% do crédito rural vem das LCAs

 (Camila Domingues/Palácio Piratini/Divulgação)

(Camila Domingues/Palácio Piratini/Divulgação)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 9 de junho de 2025 às 11h59.

Última atualização em 9 de junho de 2025 às 15h42.

O fim da isenção do Imposto de Renda (IR) e a uma cobrança de IR de 5% sobre as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) podem pressionar a inflação no Brasil, especialmente a dos alimentos, além de reduzir o crédito rural no setor agropecuário. Esta é a avaliação de analistas consultados pela EXAME, que alertam que a medida pode prejudicar um dos principais setores da economia brasileira.

Na noite deste domingo, 8, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o governo federal enviará ao Congresso Nacional uma medida provisória (MP) voltada para o mercado financeiro, para aumentar a arrecadação. O anúncio ocorreu após o encontro de Haddad com líderes da Câmara dos Deputados e do Senado, para tratar sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

"O produtor rural depende do financiamento, e a maioria desse financiamento vem por meio das LCAs. Com o custo mais alto, o spread sobre as LCAs aumentará, tornando o financiamento mais caro. Ou seja, o produtor rural vai enfrentar um custo de dinheiro mais elevado", diz Octaciano Neto, fundador da Zera.ag.

Criadas em 2004, as LCAs são títulos de renda fixa emitidos por instituições financeiras para captar recursos destinados ao financiamento do setor agropecuário — 35% do crédito rural vem das LCAs, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Elas funcionam como um empréstimo do investidor para o banco, que, por sua vez, repassa o capital a produtores rurais, cooperativas e empresas da cadeia do agronegócio. As LCAs são isentas de IR para pessoas físicas, o que as torna mais competitivas em comparação com outros investimentos de renda fixa.

Além disso, elas são garantidas pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC), até o limite de R$ 250 mil por CPF e por instituição financeira, oferecendo mais segurança ao investidor. A LCA também teve como propósito reduzir a dependência do Plano Safra e abrir novas fontes de recursos através do mercado de capitais.

A LCA no Brasil

Atualmente, o mercado de LCA no Brasil soma cerca de R$ 559 bilhões em estoque. A exigibilidade, que determina a porcentagem mínima que os bancos devem aplicar no agronegócio com os recursos captados por meio dessas LCAs, é de 65%. Isso significa que, dos R$ 500 bilhões, pelo menos R$ 300 bilhões devem ser direcionados ao financiamento do setor agropecuário.

No entanto, a exigibilidade de 65% é o piso estabelecido pelo governo, não o teto, diz Neto. Ou seja, os bancos podem aplicar uma porcentagem maior, mas o mínimo exigido é esse. A exigibilidade foi recentemente alterada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que a elevou de 50% para 65%. Com esse aumento, o crédito para o produtor encarece.

A alteração recente da exigibilidade implica que os bancos agora têm que alocar mais recursos no financiamento do setor agropecuário. Como resultado, isso pode gerar um aumento nos custos de crédito para os produtores, já que os bancos, ao destinarem uma maior quantidade de recursos ao agro, podem precisar aumentar a taxa de juros para cobrir o risco e os custos operacionais.

A influência da decisão no Plano Safra

A MP de Haddad sobre as LCAs chega em um momento em que tanto o Ministério da Fazenda quanto os Ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Agrário (MDA) e Planejamento discutem o valor do Plano Safra 2025/26, que será anunciado no final de junho.

A expectativa é de que o montante a ser disponibilizado pelo governo seja igual ou levemente superior aos R$ 475,56 bilhões do ano anterior, em função da Selic de 14,25% ao ano.

Além disso, interlocutores afirmaram à EXAME que a gestão petista avalia elevar todas as taxas de juros subsidiadas pela política agrícola, com exceção do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

"Com a Selic elevada, o valor do financiamento do governo diminui. Da mesma forma, com o custo mais alto da LCA, o valor disponível também é reduzido, já que o crédito fica mais caro. O governo, ao mexer nessas duas alavancas, está adotando uma abordagem que aumenta os juros, em vez de utilizar medidas para reduzi-los", afirma Neto.

A MP começa a ter efeito imediatamente após sua publicação no Diário Oficial da União (DOU), desde que seja assinada pelo presidente da República. Ela tem força de lei, mas precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional dentro de 60 dias (prorrogáveis por mais 60 dias). Caso não seja aprovada dentro desse prazo, a ela perde a validade e seus efeitos são cancelados.

"Apesar disso, é esperado que o mercado passe a reavaliar a utilização desses títulos, considerando que um dos seus atrativos será potencialmente afetado no curto prazo", diz  Diogo Olm Ferreira, sócio de Tributário do VBSO Advogados.

Menor área plantada

Na avaliação de David Télio, diretor de Novas Estruturas Financeiras da TerraMagna, um dos efeitos do Imposto de Renda de 5% sobre as LCAs no setor agropecuário é a possibilidade de o agricultor reduzir a área plantada.

Quando o agricultor vende grãos para uma trading, ele recebe o preço de mercado, sem considerar os custos adicionais, como as taxas que ele pagou, explica Télio. Assim, o produtor de soja, milho, café ou algodão, que vende para o mercado por meio de uma trading, pode acabar absorvendo grandes perdas, sem ter a opção de repassar esses custos.

Por outro lado, o produtor que direciona sua produção para mercados específicos, como a mesa do consumidor, CEASA, hortifruti, ou ração animal (como na avicultura, suinocultura e pecuária), pode ter mais dificuldade em absorver esses custos.

"A margem do produtor já está extremamente apertada, em função do alto custo dos insumos e à baixa rentabilidade das commodities, o que pode forçar decisões difíceis, como a redução da área plantada ou a perda de produtividade. Nesse caso, ele provavelmente tentará repassar os custos para o preço final do produto", diz.

Outro efeito colateral pode ser uma fuga dos investidores da LCA para os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro). Para Télio, nesse cenário, o Fiagro surge como uma alternativa vantajosa, já que "é isento de imposto de renda, não tem IOF, e tem o potencial de se tornar uma das principais formas para o financiamento do agronegócio".

"Isso pode resultar em uma migração de recursos da LCA para outras aplicações financeiras, o que levaria a uma queda nas emissões e no estoque de LCAs, reduzindo, assim, a oferta de crédito rural. Ou seja, seria um tiro no pé, especialmente porque 35% do crédito rural no Brasil vem da LCA como fonte", afirma Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola e um dos articuladores para a aprovação da LCA no começo dos anos 2000.

Repercussão no agro

Em suas redes sociais, Pedro Lupion (PP), deputado e presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), afirmou que o governo criou um problema com o aumento do IOF e, "depois, tenta resolvê-lo com mais tributos, focando no agro (tributação das LCAs). Isso encarece o crédito e desincentiva a produção rural. Não se falou em corte de gastos", disse ele.

Segundo Lupion, ajustar as contas públicas exige mais do que elevar tributos. "É preciso escolher prioridades de forma transparente, ou corremos o risco de repetir o ciclo de aumentos tributários com baixo resultado fiscal e alto custo econômico", afirmou.

A FPA se reunirá nesta terça-feira, 10, em seu encontro semanal, para deliberar sobre como tratar a questão.

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